Guardando o Passaporte

Jantares em Paris, Guinness em Londres, whisky em Edimburgo, caminhar pelas galerias do Museu Van Gogh, subir as Montanhas no Canadá, passear pelos canais de Bruges, pelos jardins de Keukenhof, atravessar o Canal da Mancha sob o mar. 

Sorrir de volta para a Monalisa de Da Vinci. 

Estar na presença da História na Abadia de Westminster.

Não uma, não duas. Algumas vezes.

Tive esses privilégios.

Não sou rico, longe disso. 

Cada viagem foi um exercício de planejamento, poupança, logística. Abri mão de muitas coisas para viver 12 a 15 dias por ano, a cada dois anos, fora do Brasil e conhecer uma parte do mundo que eu só via através de filmes ou noticiários de TV.

Eu não estou escrevendo sobre viagens, mas sobre o efeito que elas causam nas pessoas.

O primeiro choque é entender que o transporte público é público: todos andam de ônibus, metrô, barcas, bicicletas. 

O segundo é perceber que não existe depredação do bem público. As pichações estão no mesmo lugar onde pessoas como nós, brasileiros comuns, vivem: ruas de periferia, conglomerados de casas iguais, com gangs andando pelas ruas, policiais fazendo ronda. Existem poucos lugares assim. É preciso procurar com bastante cuidado para encontra-los.

Em Amsterdam existe o Red Light District, o que seria conhecido como a zona de baixo meretrício. Um dos lugares mais seguros da cidade, com bares, vida noturna, bons cafés, FAMÍLIAS passeando pelas calçadas. As prostitutas, que são regulamentadas, estão à mostra, atrás de vitrines. Todos sabem que elas estão lá, mas não estão por todos os lados. O uso de maconha é liberado em determinados locais, não em público. Não é um paraíso das drogas.

Enquanto nossas prisões estão socadas de bandidos, na Holanda as penitenciárias estão sendo desativadas.

Viajando pelo Canadá, outro choque. O número de habitantes do país é de apenas 37 milhões de pessoas. O país deles é maior que o nosso e têm toda a infraestrutura pronta. Somos em 200 e tantos milhões e falta esgoto em quase metade de nossas casas. Estradas de ferro cruzando do Atlântico ao Pacífico, assim como estradas pavimentadas, feitas do melhor asfalto que dinheiro sem corrupção pode comprar.

Passam 8 meses embaixo da neve por 4 meses de sol. Qual seria a nossa desculpa em um país que têm todos os recursos minerais, não têm terremotos, furacões, um litoral de 7.300 km de extensão, o maior depósito de água doce do mundo, assim como as maiores reservas de ferro?

Se ainda pensarmos que esse país - o Canadá - esteve nas duas Guerras Mundiais defendendo a liberdade e a democracia é de se pensar: onde nós estávamos?

Na Bélgica, que foi quase totalmente destruída pela 2ª Guerra Mundial, só vi alguns monumentos para honrar os mortos. Transporte impecável, segurança, educação e até respeito por nós, brasileiros, que quando em grupo, não respeitamos ninguém.

Se em 60 anos os belgas construíram outro país, por que em 500, nós não fizemos o nosso ainda?

Sabemos a resposta: somos preguiçosos.

Estamos culpando o PT pelos últimos 14 anos, mas antes culpávamos o Fernando Henrique. Antes dele, culpamos Itamar Franco, Collor, Sarney, os Militares, e assim por diante.

Sabemos o que é certo e errado. Bastava apenas nos levantarmos juntos, uma única vez e ninguém mais prevaricaria neste país. Não haveria margem para a corrupção se a população dissesse “Basta!”.

Como escrevi, não sou rico. Não viajo mais. Mesmo que eu economize como antes, não consigo mais alcançar o necessário para ir à lugar algum. O preço das passagens sobe, os preços do Dólar, do Euro, da Libra sobem constantemente e, dessa forma, mesmo que em moeda estrangeira o hotel, as refeições continuem pelo mesmo preço, eu não consigo mais comprar a moeda em si.

O processo é simples de explicar: muralhas estão sendo construídas ao redor do Brasil, não apenas para um fútil viajante como eu, mas também para que investidores estrangeiros venham para cá, novas tecnologias nos alcancem, que tenhamos progresso.

O grande problema é que essa muralha não é um muro em si, mas é criada por um afundamento do país: estamos em um poço onde não conseguimos mais alcançar a borda.

Sabemos que a inflação é alta, mas nos enganam com números manipulados. 

Sabemos que a corrupção tirou muito mais do que é noticiado, mas não nos contam tudo.

Inclusive, se pensarmos sobre os valores desviados, por lógica, fica claro que existe dinheiro demais nos cofres públicos. Afinal, como é que podem desviar, 50, 100, 500 milhões de reais sem que ninguém perceba? 

Nos arrastam para a "malha fina" se deixamos de colocar algo em nossas declarações de imposto de renda!

Olhe à sua volta brasileiro. As casas pichadas, os pontos de ônibus depredados, essa gente pelas ruas fedendo, sem segurança, saúde, escolas, professores apanhando de alunos, bandidos com fuzis, policiais sendo mortos ou se transformando em criminosos. 

Políticos vivendo como nababos, Ministros do STF administrando o país através de habeas corpus e sentenças mais do que viciadas. 

TUDO ISSO, é culpa da sua preguiça em agir, em fazer a coisa certa.

Se for julgar alguém porque tem uma posição política pense um pouco antes.

Seu estilo blasé de levar a vida e “não gostar de política” é que fez desse país ser o que é.

Vocês são muitos e são preguiçosos.